Relembre as referências que as novelas brasileiras fizeram ao filme que completa 15 anos em 2021
Em junho de 2006, 15 anos atrás, era lançado o filme “O Diabo Veste Prada” nos cinemas norte-americanos. Lançado no Brasil em setembro daquele ano, o filme de David Frankel conta a história da jornalista recém-formada Andy (Anne Hathaway), que vai trabalhar na conceituada revista de moda Runway como assistente da editora-chefe de Miranda Priestly (Meryl Streep, indicada ao Oscar e vencedora do Globo de Ouro por sua atuação), uma megera. Inicialmente desconfortável e inapta para o cargo, Andy consegue, aos poucos, atender às exigências absurdas, e até abusivas de sua chefe, conquistando sua confiança e provando seu valor. Pensando em sua carreira à longo prazo, Andy acaba cedendo aos abusos de Miranda, deslumbrada com o mundo que conheceu, até que finalmente abandona o cargo, pois não deseja ser igual à sua chefe.
Este icônico filme é baseado no livro homônimo de Lauren Weisberger, lançado em 2004, onde ela conta sua experiência trabalhando com a exigente editora-chefe da revista Vogue americana, Anna Wintour. “O Diabo Veste Prada” é um filme muito acessível e muito inteligente ao mesmo tempo, sendo cultuado por amantes do cinema em geral, sejam cinéfilos, sejam espectadores casuais que se reúnem para ver o filme com amigos, ou até mesmo na “Sessão da Tarde”, onde é exibido com certa frequência. Até hoje, as redes sociais debatem o conflito “vida pessoal X vida profissional” proposto pelo filme, na tentativa de decidir, em vão, quem é o verdadeiro vilão da história: Miranda, cujos abusos são justificados como uma maneira de forçar Andy a se tornar uma profissional melhor e se acostumar com a realidade brutal do mercado de trabalho, ou Nate (Adrian Grenier), namorado de Andy, que é visto por muitos como um machista sabotador na tentativa de abrir os olhos dela em relação à esses abusos.
Claro que o mundo da moda também é muito discutido nas novelas brasileiras, principalmente às 19h. Foi um dos temas favoritos de Cassiano Gabus Mendes, que falou sobre modelos, estilistas e jornalistas de moda em “Plumas & Paetês” (1980) e “Ti-Ti-Ti” (1985); revistas de moda foram ambientes essenciais em “Dancin’ Days” (1978), “Louco Amor” (1984) e “Vale Tudo” (1988), todas do autor Gilberto Braga, por exemplo.
Outro autor que gosta muito desse assunto é Silvio de Abreu. Estilistas e empresários do ramo foram personagens de “Sassaricando” (1987), “Torre de Babel” (1998), “As Filhas da Mãe” (2001) e, principalmente, “Belíssima” (2005), cuja grande vilã, Bia Falcão, pode ser considerada uma referência, digamos, retroativa à Miranda Priestly – naquela época, mulheres em posição de poder tomaram conta do imaginário coletivo, e exalavam uma certa prepotência como forma de não terem sua competência e autoridade questionadas.
Nessa novela policial, o mundo da moda e da beleza era debatido mais ou menos igual ao filme, onde Bia era uma conceituada empresária, dona da marca de lingeries que dava nome à novela, que humilhava a todos que não fossem do seu agrado, na vida pessoal e principalmente na vida profissional. A equivalente à Andy, nesse caso, era a própria neta de Bia, Júlia (Gloria Pires), a protagonista, o ‘patinho feio’, constantemente humilhada pela avó que não a aceitava por ser uma mulher simples, sem sofisticação. Bia se parecia com Miranda não só pela personalidade, mas também no corte de cabelo e na elegância dos looks que vestia.
Depois do filme, a moda se tornou um assunto ainda mais constante nas novelas. Em 2010, o remake da já citada “Ti-Ti-Ti”, assinado por Maria Adelaide Amaral, abordou o rumo que o universo editorial e jornalismo estavam levando no início da década passada. Nela, tínhamos a revista fictícia Moda Brasil, que mostrava de maneira fiel todos os bastidores de uma redação, sob a liderança de competente Suzana Martins (Malu Mader), o extremo oposto de Miranda Priestly em seu comportamento – o visual da personagem era inspirado nem Carine Roitfeld, editora-chefe de outra Vogue, a francesa.
Nesse caso, a prepotência ficava à cargo de Help (Betty Gofman), assistente de Suzana que num certo momento da história assumia o controle da revista, mas sem a competência nem de Suzana, nem de Miranda, mudando drasticamente o padrão de qualidade editorial. A partir daí, a personagem adota um corte de cabelo idêntico ao de Anna Wintour, sendo abertamente comparada a ela no texto, também sendo chamada de “projeto de Meryl Streep”.
E não para por aí: houve a releitura da clássica cena onde Miranda chega no escritório despejando sua bolsa e seu casaco sobre a mesa de Andy, reencenada identicamente por Help e sua assistente Madu (Caroline Figueiredo), com os mesmos takes, graças ao texto inteligente cheio de metalinguagem de Maria Adelaide e a direção inspiradíssima do saudoso Jorge Fernando. Um luxo, né?
Obviamente, nós temos que fechar essa lista com a referência teledramatúrgica mais explícita ao filme: a redação da revista de moda que dava nome à novela “Totalmente Demais” (2015), um sucesso dos autores Rosane Svartman e Paulo Halm. A revista era comandada pela jornalista Carolina Castilho (Juliana Paes). Competente, jovem e sedutora, a personagem era inspirada em Kim Kardashian no visual, mas na personalidade, ela era 100% Miranda Priestly.
Mandava e desmandava na revista e até humilhava seus funcionários, sendo temida por todos. Os funcionários que giravam em torno dela também era referências diretas ao filme: a estagiária Leila (Carla Salle) era a Andy da vez; a assistente Lu (Julianne Trevisol), antenada e super estilosa, vivia para o trabalho e bajulava sua chefe mesmo diante de constantes humilhações, assim como Emily (Emily Blunt) no filme; por último, o fiel escudeiro de Carol, o produtor Pietro (Marat Descartes), que cumpria as mesmas funções de Nigel (Stanley Tucci) no filme, sendo até muito parecidos fisicamente.
As inspirações ao filme e à verdadeira Anna Wintour foram admitidas pelos autores, e também por Juliana e Julianne em entrevistas na época da novela, e foram apontadas com ainda mais curiosidade pelo público durante a reprise especial da novela, em 2020.
Também existem outras novelas menos lembradas pelo público: em 2007, o visual da bruxa Zilda (Cássia Kiss) em “Eterna Magia” foi deliberadamente inspirado nos cabelos brancos de Meryl Streep no filme. Em “Três Irmãs” (2008), Maitê Proença vivia Walquíria Pascoli, jornalista de moda competente, renomada e dominadora, diretamente inspirada em Miranda Priestly; a personagem tinha pouco espaço na história.
Em 2017, na reta final de "Rock Story”, Lu Grimaldi viveu a estilista Glória Braga, uma carrasca. A atriz e a autora Maria Helena Nascimento deixaram claro a inspiração em Miranda Priestly, na caracterização e no comportamento da personagem; Glória só ficou devendo no quesito competência, uma vez que vendia as criações de sua assistente Yasmin (Marina Moschen) como se fossem suas.
Em “O Sétimo Guardião” (2018), a dinâmica entre a autoritária Valentina Marsala (Lília Cabral) e sua assistente Louise Marie (Fernanda de Freitas) era de constantes humilhações. Em sua última cena na novela, Louise ignora uma ligação da chefe e joga o celular pra fora do carro, tal qual Andy quando se demite da revista no final do filme.
“O Diabo Veste Prada” e seus temas são atemporais e universais: as cobranças que mulheres sofrem no mercado de trabalho, os sacrifícios que devem ser feitos na vida pessoal em prol da vida profissional, a superficialidade do mundo da moda, a competição feroz entre colegas de escritório… A lista é interminável e pode ser explorada de diversas maneiras. Todos nós nos identificamos de alguma forma com Andy, independente da área onde nós trabalhamos.
Enquanto existirem dinâmicas de trabalho disfuncionais, existirão filmes e novelas pra falarem sobre isso, despertando discussões sobre isso e, se possível, maneira de confrontar esses costumes.